Um estudo recém-lançado pelo Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (Nupegre), da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ) faz um alerta sobre os desrespeitos, os abusos e os maus-tratos físicos e psicológicos durante a gestação ou no momento do parto. Batizado de “Se ficar gritando, vai ter o filho sozinha: A violência obstétrica à luz dos Direito brasileiro e do sistema interamericano de proteção de direitos humanos”, o estudo focou na criminalização da violência obstétrica, aponta resistência por parte dos profissionais da saúde para o reconhecimento dessa expressão. E as justificativas são falta de fundamentação técnica e imprecisão para a definição do conceito e uma suposta intenção de criminalizar quem trabalha no ramo em razão de pauta ideológica, que estaria na moda. Para fundamentar as conclusões, a pesquisa considerou recomendações e padrões internacionais que orientam o combate a esse tipo de ocorrência; analisou proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional; e investigou o tratamento que o Poder Judiciário dá ao tema.
Pesquisa traz propostas para a estruturação de políticas públicas, leis e boas práticas no Brasil no combate à violência obstétrica
O estudo “Se ficar gritando, vai ter o filho sozinha: A violência obstétrica à luz dos Direito brasileiro e do sistema interamericano de proteção de direitos humanos”, assinado pelo Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (Nupegre), da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ) destaca ações que podem ser úteis na estruturação de políticas públicas, leis e boas práticas no Brasil no combate à violência obstétrica. O trabalho sugere a ampliação do acesso à informação; recomenda a capacitação de operadores do direito que lidam com o tema da saúde; indica como necessária a ampliação da infraestrutura e a alteração da legislação para a prevenção e a investigação de casos de violência obstétrica; e pede a adoção de protocolos nas unidades de saúde a fim de garantir o tratamento humanizado e o atendimento eficaz para as vítimas desse tipo de agressão.
A pesquisa concluiu ainda que os projetos de lei em tramitação no parlamento brasileiro, de forma geral, consideram as cidadãs de forma homogênea, sem identificar especificidades sociais, culturais e econômicas de grupos que clamam por ação e atenção prioritária.
O trabalho do Nupegre traz posicionamento contrário à inclusão da violência obstétrica no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei Maria da Penha. E a justificativa é de que o tema tem a ver com situação que diverge completamente dos contextos doméstico e familiar. Há também crítica quanto à aprovação da Lei 14.737, de 2023, que ampliaria o direito da mulher de ter acompanhante nos atendimentos realizados em serviços de saúde públicos e privados. No entendimento da equipe que assina a pesquisa, a norma restringe a possibilidade de a paciente estar com alguém de confiança em centros cirúrgicos e unidade de terapia intensiva.
Quanto à análise de processos judiciais, o estudo evidencia grande deficiência de insumos e de profissionais na rede pública de saúde. Também registra a constatação de despreparo das equipes de assistência médica ao lidar com mulheres, grupo que as pesquisadoras classificam como socialmente vulnerável por si só e que, em situação de gravidez e parto, devido às circunstâncias físicas e psíquicas, torna-se ainda mais suscetível a agressões. “Assim, verificou-se toda sorte de abusos e violências, muitas vezes não reconhecidas pelos seus agentes e, também, pelas próprias vítimas”, informa o texto.
O termo “violência obstétrica” caracteriza abusos contra mulheres que buscam serviços de saúde durante a gestação, na hora do parto ou no pós-parto. Os maus-tratos podem ter a ver com violência física ou psicológica e têm potencial para tornar o nascimento de um bebê um momento traumático. Esse tipo de agressão tem relação com o trabalho dos profissionais de saúde e com falhas estruturais de clínicas, de hospitais e do sistema de saúde como um todo.