A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a dois recursos ordinários para determinar o prosseguimento de ações indenizatórias contra a Alemanha, ajuizadas na Justiça Federal por descendentes de dois tripulantes do barco de pesca Changri-lá. Eles morreram quando a embarcação foi torpedeada pelo submarino nazista U-199, nas proximidades da costa de Cabo Frio (RJ), em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial. O colegiado seguiu o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e reposicionou sua jurisprudência, considerando factível relativização da imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro em caso de atos ilícitos praticados no território nacional que violem direitos humanos.
Caso Changri-lá: colegiado reafirma jurisprudência em atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros com violação a direitos humanos
Em 1943, o barco pesqueiro Changri-lá desapareceu na costa de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. A bordo, dez pescadores. Quase sete décadas depois, o Tribunal Marítimo da Marinha do Brasil reconheceu que a embarcação fora afundada por um submarino alemão, abrindo a possibilidade de parentes das vítimas buscarem uma reparação por danos morais e materiais. Porém, o Direito Internacional Público tem por norma a interdição de submeter às cortes domésticas os atos de império de outros Estados.
Esse imbróglio vem mobilizando tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ). No julgamento do ARE 954.858 (Tema 944 da repercussão geral), o STF fixou a tese de que os atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos humanos, no território nacional, não gozam de imunidade de jurisdição. Coube agora ao STJ reforçar essa jurisprudência.
Em um dos processos, o juiz extinguiu a ação indenizatória, argumentando que a Alemanha não se submete ao Poder Judiciário nacional para responder por ação militar praticada em período de guerra. Em outro, foi reconhecida a prescrição, pois se passaram 64 anos entre o fato e o ajuizamento da demanda.
Desta vez, o colegiado analisou que o próprio STF já reconheceu a imprescritibilidade, inclusive para os sucessores, da pretensão de reparação de grave violação à dignidade da pessoa humana causada por conduta praticada a mando ou no interesse de governantes. Assim, a Alemanha não tem direito s à imunidade de jurisdição “para escapar das consequências decorrentes de ilícito internacional”, como explicou o relator, o ministro Luiz Felipe Salomão.