O Ministro da Justiça do Brasil, José Eduardo Cardozo, realizou o discurso de encerramento da edição de 2015 do Seminário de Verão, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal), cujo tema central foi “O Direito em tempos de incertezas”. Na ocasião, além de dar uma aula sobre a história do Estado democrático de direito, ele também falou sobre política, manifestações de 2013, e refletiu sobre os papéis do Poder Executivo e a imprensa.
Diante de tantas mudanças no cenário atual do Brasil e do mundo, José Eduardo Cardozo se manifestou sobre o modelo da estrutura do Estado a respeito das relações de poder existentes e as sociais. “Será que o nosso modelo de Estado de Direito que nasce no final do século XVIII com a Constituição Americana e com a Revolução Francesa e se coloca para todo o continente europeu e depois se propagou pelo mundo, ficará intacto?”, questionou o ministro.
Este modelo de Estado – fruto da conquista da Carta Magna inglesa e de filósofos como Locke, Montesquieu e Jacque Rousseau – é o modelo que Cardozo afirma expressar o momento que começa a modificar, em larga medida, seus problemas estruturais que desembocaram em situações problemáticas ao longo do tempo. Um dos problemas é a dificuldade jurídica de diferenciar as funções estatais da forma em que foram diferenciadas por Montesquieu. “Por exemplo, o processo de impeachment de alguém ou de cassação de mandato parlamentar, alguns juristas dizem que é função judicional atípica dada ao legislativo, outros dizem função administrativa igual e semelhante à demissão de um funcionário público, porque tudo pode ser revisto pelo poder judiciário”.
Mundo Mobile
“Se uma pessoa pode decidir as políticas de seu país, quando estiverem com um aparelho [celular] nas mãos e puderem decidir que leis são aprovadas e que leis são rejeitadas, por que haveriam de eleger representantes para fazer isso em seu nome?”, refletiu o ministro. “Nós tivemos no Brasil, em 2013, manifestações muito fortes, momento em que era incompreensível qual a bandeira colocada. Só há uma leitura possível: nós temos que ir pra rua porque não queremos que aqueles que falam em nosso nome, decidam por nós”, disse ele. E concluiu: “Ou seja, está em cheque o modelo da democracia representativa e nós não sabemos o destino disto”. Por outro lado, Cardozo afirma que o Poder Executivo também sofre abalos profundos nesse processo. “Até onde vai o poder do executivo comandado por alguém eleito?”, questionou.
Poder Judiciário e Imprensa
De acordo com José Eduardo Cardozo, na medida em que a decisão judicial se aproxima da decisão política isto fica visível à sociedade e, as críticas que se fazem aos políticos deverão ser feitas, se já não são feitas, aos juízes. “Hoje nós temos, em todo o mundo, não apenas no Brasil, juízes que têm a popularidade de políticos, juízes que saem às ruas e são festejados, outros que corajosamente decidem pelos seus princípios e que são vaiados, como se efetivamente não tivessem que ser respeitados”, disse o ministro. “Nós temos a imprensa, muitas vezes, forçando e coagindo o magistrado a decidir a linha a, b, c, d ou e. Da mesma forma que haveria de se esperar que deva ser colocada com quem depende de seus votos. E não ser votado é menos grave do que ser atingido em restaurantes, bares, mercados, quando efetivamente não se segue aquilo que o senso comum diz que deve ser feito num certo momento”, criticou.
“A ideia do juiz justiceiro, que desrespeita princípios, que pisoteia sobre o Estado de Direito, ganha grande popularidade. E alguns, inclusive, podem se transformar, como aconteceu em países europeus, em candidatos a postos-chaves da república. Ou seja, o aparente poder daquele que decide do exercício da função judicional também passa a ser exposto de outras formas. E isso se agrava, inclusive quando através da comunicação e da transparência social, começa a se exigir um outro comportamento de magistrados”, completou.
Tecnicismo necessário
Para Cardozo, se no passado os magistrados que aprofundavam estudos e apresentavam alentadas razões e decisões eram aplaudidos, hoje os que se alongam são recriminados. “E quando um magistrado não se faz entender pela população, se passa a presumir que ele está acobertando alguma coisa que não quer dizer quando, na verdade, a linguagem técnica do Direito, que sempre foi respeitada, começa a mudar”, explicou.
“Magistrados têm que se adaptar aos novos meios de comunicação, têm que explicar suas decisões não mais na linguagem técnico-jurídica, mas na linguagem que a sociedade entende e isso aproxima o discurso judicial do discurso político, com todas as consequências para o bem e para o mal”, ponderou.
Segundo o ministro da Justiça, já não existe mais a situação que existia no momento em que o modelo do Estado foi criado. “É chegada a hora de se começar a pensar em modificações, porque, sinceramente, aqui vai a minha angústia, que modificações serão estas que esse modelo de Estado se colocará? (…) A sociedade começa a mostrar insatisfação com o que existe e nós não conseguimos ainda – talvez pelo misoneísmo, pelo apego às ideias passadas – a começar a pensar no futuro de que maneira as nossas estruturas históricas de um Estado devem ser adaptadas para comportar uma realidade cambiante. Ou fazemos isso ou a realidade atropelará as conquistas históricas e humanísticas que nós tivemos ao longo desse tempo”, disse Cardozo, concluindo assim: “Que surjam os novos Lockes, os novos Montesquieus, os novos Rousseaus, para que a realidade em curso na história consiga garantir as conquistas humanistas e dar a todos nós menos controversas, mais segurança, mais paz e mais respeito aos direitos individuais e direitos de toda a sociedade”.