A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) de abrir concurso para preenchimento de uma vaga de desembargadora marca a primeira vitória da política de alternância de gênero na disputa de cargos na segunda instância do Judiciário brasileiro, determinada pela Resolução CNJ n. 525/2023. A norma, aprovada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em setembro de 2023, prevê que os tribunais do país utilizem a lista exclusiva para mulheres, alternadamente, com a lista mista tradicional, nas promoções pelo critério do merecimento. Embora constituam mais da metade da população brasileira, as mulheres ocupam 38% da magistratura, sendo 40% no 1º grau e apenas 21,2% no 2º grau.
Somente em 1939, primeira mulher chegou à magistratura no Brasil, embora comarcas tenham sido instaladas no século XVI
Somente em 1939, primeira mulher chegou à magistratura no Brasil, embora comarcas tenham sido instaladas no século XVI
Com a escolha de uma desembargadora para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), política de alternância de gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instituída pela Resolução CNJ n. 525/2023, começa a corrigir uma injustiça histórica. Embora as primeiras comarcas tenham sido instaladas no Brasil no primeiro século da colonização, por volta de 1548, em Salvador, o ingresso da primeira mulher na magistratura ocorreu somente em 1939, quando Auri Moura Costa foi aprovada em concurso público no Ceará.
Outros 15 anos se passaram até que que uma magistrada chegasse ao cargo de desembargadora, com a nomeação de Thereza Grisólia Tang em Santa Catarina. Entre as mulheres negras, a pioneira foi Mary de Aguiar Silva, empossada no cargo de juíza substituta do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), em 1962.
A resolução levou em conta a tendência de não crescimento dos percentuais de participação feminina no Judiciário, de acordo com séries históricas de pesquisas. Entre 1996 e o primeiro semestre de 2022, foram mapeados dados suficientes para entender a sub-representação feminina na carreira, bem como a identificação das principais barreiras de acesso de mulheres aos diversos cargos da magistratura, desde juíza substituta até ministra de tribunal superior.
Em 1996, por exemplo, “O perfil do magistrado brasileiro”, realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), ouviu cerca de quatro mil pessoas e apontou que somente 20,7% dos entrevistados eram mulheres. No 2º grau, esse número baixava para 9,3%; e, nos tribunais superiores, não havia nenhuma ministra. Já o “Censo do Judiciário”, produzido pelo CNJ em 2014, com adesão de 64% dos magistrados atividade, registrou que 35,9% da magistratura brasileira era feminina, sendo 42,8% juízas substitutas; 36,6% juízas titulares; 32,2% juízas substitutas em 2º grau e 21,5% desembargadoras.
Quatro anos após, o “Perfil sociodemográfico dos magistrados brasileiros”, também do CNJ, indicou percentual de 38% de mulheres na magistratura com 44% no cargo de juízas substitutas; 39% de juízas titulares e 23% de desembargadoras. Em 2019, o CNJ volta a avaliar a situação, no “Diagnóstico da participação feminina no Poder Judiciário”. As magistradas somaram 38,8% do quadro total em atividade, sendo 45,7% juízas substitutas; 39,3% juízas titulares e 25,7% desembargadoras, registrou a relatora.
No relatório da participação feminina na Magistratura 2023, elaborado pelo Conselho com base nos dados de 2022 o percentual de magistradas apresentou queda, de 38,8% para 38%, com expressiva diminuição nos postos mais altos da carreira. Saíram de 25,7% de desembargadoras, em 2019, para 25%, e de 19,6% de ministras de tribunais superiores, também em 2019, para 25% no levantamento mais recente.
Nos trabalhos que levaram à aprovação da Resolução CNJ n. 525/2023 ficou evidente o motivo da menor representatividade feminina nos tribunais de 2º grau: a existência de discriminação institucional de gênero, resultante de barreiras implícitas existentes na progressão de carreira das magistradas de 1º grau. Entre esses obstáculos, estão maiores dificuldades no ingresso; consequências para a vida pessoal; menos oportunidades de ascensão; discriminação interseccional; incidência de atitudes discriminatórias no exercício do cargo; menor acesso tanto a cargos com critérios subjetivos de preenchimento quanto a promoções por merecimento.